Um dos mais interessantes debates sobre a implosão das vanguardas modernistas teve início quando a Arte Pop retomou inesperadamente a bandeira do realismo pictórico, apresentando-se como uma terceira via à bipolarização entre o subjectivismo da Action Painting e o formalismo exangue da Post-Painterly Abstraction. O que então caracterizava as vanguardas imediatamente anteriores à Pop era sobretudo a crítica romântica à ideia de uma estabilidade capitalista e a subsequente recusa de enfrentar artisticamente a sociedade de massas, urbana e mediática, que à época ganhava já inacreditáveis proporções. De costas voltadas para a realidade, tal ensimesmamento estético não poderia deixar de perder-se nas impenetráveis torres de marfim que há muito abrigam, por mero atavismo filosófico, a metafísica improdutiva da forma e as transcendências ambíguas do Eu. No caminho, mais de um artista perdeu infelizmente o contacto com a realidade, engrossando o número daqueles que vêem na diferenciação das linguagens e dos sistemas de representação anunciada por Walter Benjamin um evento essencialmente obscuro e imprestável. Na era da reprodutibilidade técnica dos objectos e das representações, o papel e o lugar do artista sofreram forçosamente uma deslocação dramática. A Arte Pop -- e doutro modo também, a Arte Conceptual -- vieram assinalar este facto de uma vez por todas. À distância de duas décadas, a Pop Art não pode pois deixar de ser considerada como uma mudança radical de paradigma estético e como uma surpreendente galeria de retratos sobre o começo da era pós-industrial. Olhando com olhos de ver a nova aparência do mundo, a Arte Pop não hesitou cruzar as fronteiras elitistas entre artes belas e aplicadas que tradicionalmente separam o dito mundo artístico, da publicidade, de Hollywood, da rádio e da televisão. Warhol foi o grande e lúcido intérprete desta radical mutação, e a ele devemos certamente em parte algumas das nossas boas ideias. A deslocação artística em direcção às sociedades tecno- mediáticas tem, todavia, um paralelo no design de comunicação que subtende a panóplia criativa da publicidade, do marketing, dos média e do entretenimento de massas em geral. Assim, e a par dos abalos telúricos provocados pela Benetton, pela Calvin Klein, pela Diesel ou pela Absolut Vodka, cresce entre a multidão planetária de designers o sentimento cada vez mais profundo de que chegou o momento de colocar todo o imenso "know how" acumulado ao longo do último meio século ao serviço de uma criatividade menos comprometida com a troca de objectos. Não é tanto uma revolta contra o capitalismo tardio que é pedida, mas o enriquecimento da paisagem mediática actual, apoiado noutros discursos e mensagens declaradamente vinculados à arte enquanto manifestação urgente de uma subjectividade concreta capaz de gerar e perpetuar um diálogo urbano mais criativo, livre e solidário. A iniciativa da Absolut Vodka, de que esta exposição é testemunha, vem seguramente contribuir para o debate mencionado e em curso. Artistas famosos e desconhecidos têm sido convidados a aproximarem-se de um objecto publicitário numa perspectiva de liberdade criativa. O desafio foi inteligentemente lançado, não apenas aos artistas plásticos tradicionais, mas aos criadores em geral: fotógrafos, designers, estilistas, etc. É certo que a coisa contribuíu para a fama actual do Absolut Vodka. E que, por conseguinte, não há total inocência no acto. Mas ainda assim será necessário reconhecer que os efeitos secundários do projecto são especialmente estimulantes do diálogo que, nos grandes areópagos da criatividade contemporânea, procura renovar os principais paradigmas da comunicação simbólica e da interactividade cultural. Digamos, enfim, que se subsistem tensões entre a comunicação publicitária e a arte, o caminho traçado, entre outros, pela Absolut Vodka inaugurou, para bem de todos, um patamar mais fino de discussão estética e ideológica.
in catálogo Absolut Watt, Museu da Electricidade, Lisboa 22/10-3/11 1996
O deslocamento da expectativa por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO
I want to sleep in the morning. Being an artist is the
only way to be jobless once in a while without having to be ashamed of
yourself. The best ideas occur to me in the twilight zone after I wake
up because I'm hungry. When I'm half asleep and half awake, half happy
and unhappy, I'm creative. [in “Extraordinary answers to ordinary questions”]
Não
foi Bill Clinton, nem sequer Al Gore, quem inventou a expressão
“electronic superhigway”, mas um artista coreano inspiradamente
neo-dadaísta e há muito residente nos Estados Unidos, chamado Nam June
Paik. Nasceu em Seul vai para 64 anos, mas a sua produtividade artística
parece hoje mais intensa do que nunca. Estudou as grandes inovações
introduzidas na música erudita deste século por Arnold Schönberg,
Karlheinz Stockhausen, Mauricio Kagel e John Cage. É um performer
temperado na tradição futurista, surrealista e Dada (sobretudo oriunda
de Duchamp e Satie), bem como nas influências artísticas do Black
Mountain College (onde Cunningham, Cage e Rauschenberg ensinaram), dos happenings
nova-iorquinos e dos manifestos e concertos Fluxus. Inventou em 1963 a
arte video, em torno da qual toda a sua carreira foi sendo
progressivamente fixada. Em suma, este surpreendente artista pode e deve
ser olhado como um agitador cultural à boa maneira modernista.
Numa
demonstração autocrítica bem humorada, declarou um dia que a oposição
das vanguardas artísticas à cultura de massas, certamente pelo excelente
motivo de não poderem competir com o sucesso de Hollywood, dos
concertos rock e das telenovelas, acabou por conduzi-las a uma arte “as boring as possible”, como reza o título de uma exposição apresentada na cidade de Berlim Oeste em 1966.
Em
vez de seguir o abstraccionismo minimalista, e em geral a chamada
atitude “cool” dominante numa certa vanguarda da sensibilidade americana
pós-Pollock, onde até o mimetismo zen parece traduzir uma metamorfose
refrigerada do neo-dadaísmo, Paik optou, depois de “Global Groove”
(1973), por retomar uma estratégia maximalista, feita da ligação
energética entre o cómico, o absurdo e as falhas de sentido à maneira
zen, algumas reminiscências do Popismo então em voga (sobretudo dos
ingleses Hamilton e Paolozzi) e ainda a exaltação simultaneamente
ingénua e brutalista das tecnologias emergentes da galáxia mediática
proclamada por Marshall McLuhan. Em “Global Groove” e ao invés de outras
peças, baseadas em tácticas deceptivas, propositadamente monótonas e
chatas, o espectador enfrenta uma vintena de televisores mostrando
sucessivos, arbitrários e distorcidos momentos de um vídeo de 30
minutos, obtido a partir da mistura, sobreposição e síntese de várias
emissões televisivas oriundas das estações francesa, alemã, japonesa,
austríaca e ainda algumas africanas. O resultado é estonteante e
ilegível, mas na sua forma descortina-se o princípio de uma nova
oralidade global (veja-se o impacto da MTV e sucedâneos), bem como e
mais sintomaticamente ainda, as ambiências envolventes (acentuadas aliás
em instalações posteriores como "Artist as Nomad”, pavilhão alemão da
Bienal de Veneza, 1995), no interior das quais o espectador caminha já
não como leitor, ouvinte, decifrador, voyeur ou crítico, mas na
experimental qualidade de um indefeso banhista irresistivelmente
atraído pela expansão cibernética das comunidades pós-industriais e suas
linguagens pós-modernas.
"New York made me maximal", confessou
Paik à laia de justificação irónica para o seu distanciamento do
Conceptualismo mais “cool” que, como ele dizia, produzia o aborrecimento
como inútil antítese da permanente afluência de informação e excesso de
estímulos perceptivos que caracterizam o capitalismo avançado. “I am a poor man from a poor country. I have to entertain people every second”
— acrescentou, fazendo provavelmente referência à sua condição de
emigrante e uma alusão crítica ao etnocentrismo cultural americano, à
época algo preguiçoso no que respeita à radicalização dos pressupostos
destrutivos e desconstrutivos iniciados pela premonitória, embora
longínqua, revolução cubista. Não foi por acaso que Paik e outros, na
senda de Rauschenberg, retomaram a colagem , derivando para estratégias
de editing mais soltas, como a “assemblage”, ou que o alemão
Wolf Vostell aplicou o princípio inverso da “des-colagem” no processo de
perturbação dos novos ícones mediáticos. De certo modo, pode dizer-se
que a novidade da afluência do mundo era tal, que só através de uma
edição caótica e multidisciplinar das suas imagens, dos seus objectos e
dos seus efeitos, seria possível produzir uma adequada representação
simbólica.
A imersão digital, tal como a Internet, vinham ainda um
pouco longe, quando Paik apresentou pela primeira vez “Global Groove”,
mas o efeito de aquário então induzido por esta estrutura frenética
antecipou de algum modo a expansão dramática da comunicação multimédia
em redes interactivas e a Realidade Virtual que hoje dominam os
noticiários e começam a interessar irreversivelmente o mundo dos
negócios. Há pois um motivo especial para o título desta exposição:
“Electronic Super Highway: Nam June Paik in the 90’s”.
Boa parte
das obras agora apresentadas foi realizada na década de 90. Convirá por
isso chamar a atenção para a existência de uma diferença significativa
entre a fase mais fria e duchampiana, que corresponde ao percurso
criativo entre a sua participação no “Fluxus - International Festival of
the Latest Music”, em Wiesbaden, e “Global Groove” (1963-73), e a
presente fase de sobreaquecimento alegórico, iniciada com “Good Morning
Mr. Orwell”, em 1 de Janeiro de 1984 (o Big Brother afinal não veio !), e
a que igualmente pertence o ciclo de esculturas de sucata e
antiguidades electrónicas iniciado em 1986 com "Family of Robot": um
verdadeiro panteão de familiares e amigos já deparecidos, onde pontuam
personagens como Charlotte Moorman, John Cage e Grandfather, ou ainda um
rol de novas figuras de estilo como Couch Potato, Global Encoder,
Hacker Newbie, ou SYS Cop.
As imagens mais fortes do período de
juventude deste coreano convertido ao torvelinho da novidade
tecnológica, que desde há muito guardo na memória, descrevem breves
fragmentos de três acções protagonizadas pelo próprio e pela sua grande
colega e musa, a violoncelista Charlotte Moorman, falecida em 1991.
No
primeiro deles, Nam June Paik rasteja com um violoncelo às costas. No
segundo, Charlotte Moorman, hierática e sensual como sempre, vestida de
cetim comprido até à cintura, e daí para cima nua, com dois minúsculos
televisores cobrindo os seios ("TV Bra for Living Sculpture" ), toca
impávida e serena o seu cello . O instrumento musical está
ligado aos mini televisores, provocando nestes, por cada acorde,
sequências imprevisíveis de imagens electrónicas distorcidas. O “ruído”,
que é o nome técnico destas perturbações na transmissão
electromagnética, nas suas múltiplas e inusitadas manifestações,
ajuda-nos a chegar ao cerne de uma imensa alegoria sobre o advento da
informação, a avalanche dos objectos, a densidade social, o hiperconsumo
e a transformação do planeta numa aldeia global. Trata-se, como sempre
acontece na arte, de uma filigrana evocadora da experiência
inesquecível. Finalmente, na terceira peça, Charlotte Moorman, com o
mesmo vestido comprido de cetim, mas desta vez expondo os seios nus,
interrompe uma obra de Saint-Saens, atravessa calmamente o palco e sobe
uma escada para entrar dentro dum bidão cheio de água, submergindo nele
completamente. Ensopada, mas como se nada tivesse sucedido, regressa ao
violoncelo para completar o seu concerto. Poucas mulheres, especialmente
com referências equivalentes às de Charlotte Moorman (que era
concertista da American Symphony Orchestra), teriam aceite e sabido
desempenhar com tamanho escrúpulo disciplinar esta paulatina
desconstrução musical de óbvia referência duchampiana. Apesar de Paik
ter visto nesta intérprete erudita uma Joana d’Arc da Nova Música (que
acabou por ser despedida da Orquestra...), o certo é que as suas
performances não podem deixar de evocar o universo onírico ligeiramente
perverso da Mariée duchampiana. Não sei se nos dias de hoje, conduzir
qualquer mulher artista a semelhantes actos públicos de submissão
erótica, embora continue a ser um desejo caro a muitos artistas, tem
algum significado cultural positivo ou é sequer aceitável fora dum
contexto de exposição sexualmente mais amplo.
A dobragem recíproca
dos tempos da acção real e simbólica, de que as performances citadas
são paradigmas, confunde as nossas mais enraizadas convicções sobre o
que seja a música, a arte e a realidade em geral, induzindo a sensação
desconfortável de uma espécie de levitação epistemológica e moral. Mais
do que uma simples relativização terapêutica importada do budismo Tao ou
Zen, estas experiências artísticas, pelo lugar e tempo onde ocorreram,
têm uma importância não desprezível no cômputo que alguém um dia fará
sobre o modo como a arte ocidental se desfez em sucessivas destruições
inesperadas procurando ao mesmo tempo definir uma nova identidade
através de variados processos de recombinação ideológica, linguística e
icónica das representações estéticas do mundo. Tornar transparentes os
hiatos subconscientes da razão apodrecida nos inúmeros etnocentrismos
herdados da era pré-planetária, numa época em que precisamente faliram
as presunções que sustentam a colagem dos significados às respectivas
representações da realidade, divergindo-se cada vez mais rapidamente
para os actuais regimes autárquicos da produtividade ideológica,
simbólica e formal, em que assenta o efeito de manipulação simbólica
global a que estamos sujeitos, mas também o isolamento e a nova
dispersão dos sentidos, eis um contributo não desprezível do
irracionalismo militante promulgado pelos modernistas a que o fio
condutor da obra de Nam June Paik afinal pertence na incomodidade
característica dos seus objectos ditirâmbicos e das suas declarações.
Os
métodos performativos causaram frequentemente algum embaraço público.
Assim, no “Estudo concertista para Piano forte”, Paik começou por tocar
serenamente um interlúdio de Chopin, interrompendo-o de repente para
choramingar sobre os restos de um piano destruído algures na sala.
Depois, de tesoura em riste, avançou sobre a audiência, dirigindo-se a
John Cage, cuja camisa começou a cortar. A seguir, cortou-lhe a gravata
rente ao nó, numa aparente e corrosiva evocação das cerimónias
castradoras mais diversas e antigas. Por fim, despejou shampô sobre as
cabeças de John Cage e de David Tudor, massajando-as até formar
abundante espuma. Abandonou enfim a cena, deixando estupefacta a
audiência. Algum minutos após (que a Cage pareceram uma eternidade!) o
telefone tocou... Era Paik, comunicando que a acção tinha terminado.
Levaríamos
algum tempo a analisar este concerto, e seria em todo o caso necessário
descrevê-lo com detalhe, e mostrá-lo, para obter toda a sua carga
simbólica e crítica. De qualquer modo, parece certo que o poder evocador
desta e doutras acções semelhantes advém da compreensão por nós
progressivamente adquirida sobre a natureza linguística dos mecanismos
de percepção e designação da realidade. As operações imbuídas na acção e
na percepção do mundo são afinal momentos de um jogo linguístico com um
certo número de regras e limites contextuais. Se os alterarmos,
sobrevém sempre alguma catástrofe, por pequena que seja, que acabará por
nos ensinar mais alguma coisa sobre a vida. Esquecemos, por vezes, de
que a fina intelecção do real, a verdade rigorosamente matemática ou a
mais intensa fé, continuam a ser Ilusão. Noutras ocasiões, pelo
contrário, sentimos inapelavelmente a grande ilusão do mundo como algo
em que precisamos de acreditar. Haverá, assim, melhor dividendo para o
homem incerto e inquieto de agora, que a demonstração artística destes
factos? E haverá também, para quando a certeza da ilusão desespera
profundamente cada um de nós, melhor bálsamo para a crise, do que a
dádiva indefesa dos ritmos, formas e distracções da arte?
Quando me perguntam o que é a Aula do Risco, hesito cada vez mais em responder que é uma escola privada dedicada à promoção de estratégias de criatividade na produção artística em geral — da escrita criativa ao script para cinema e televisão, do design de comunicação à arquitectura conceptual, do explosivo mundo da multimédia à realidade virtual, ou ainda da fotografia criativa ao diálogo entre a arte e a teoria. Por outro lado, creio que seria igualmente insuficiente afirmar que ela é uma empresa experimental interessada no desenvolvimento de projectos interdisciplinares a partir da generosidade criativa que sobra das rotinas profissionais e dos jovens saídos das escolas e universidades.
De facto, olhando para a minha biografia, comecei há algum tempo a suspeitar que a Aula do Risco talvez seja afinal outra obra de arte, ou a mais recente manifestação do incurável optimismo que subtende a minha agressividade crítica. Os seus participantes não sabem, eu também não sabia, mas parece haver no subconsciente desta Aula e deste Risco o desígnio de conceber, desenhar e construir uma enorme geratriz de Realidade Virtual!
Não se trata de abandonar o Real. Mas de ordenar num novo espaço de representação a entropia exponencial do mundo virtual que corre nas nossas veias e no mais insondável do homem tecnológico. Do you know Eva Herzigova?
Ela é uma das muitas heroínas virtuais da aura mediática. O seu corpo tem a rigorosa espessura de uma imagem. A presença dela no mundo é puramente virtual, pois só uma presença virtual faz, neste caso, sentido. Ao contrário das pessoas com que nos cruzamos diariamente, Eva tem para nós uma existência paradoxalmente indubitável: não duvidamos da sua realidade, não a confundimos com uma personagem dramática, fica-nos na memória e até podemos sonhar com ela, aceite que foi o protocolo da sua imaterialidade. É, se quiserem, uma nova figura filosófica em acelerado processo de digitação!
“Nascida checoslovaca, rapidamente se tornou cidadã do mundo. Bastou-lhe ganhar um concurso de beleza em Praga há 6 anos atrás. A sua imagem sexy e inocente foi um verdadeiro abre-te Sésamo para tudo quanto é revista importante no mundo inteiro. A Vogue , a Elle , a Glamour , a Bazaar e a Marie Claire são só alguns exemplos. O mundo da publicidade não foi excepção e rendeu-se aos encantos nada ocultos desta diva. Da Campari à L’ Óreal , da Complice à Guess Jeans , passando por Gianni Versace e Azzedine Alaïa , ninguém resistiu a Eva Herzigova. A campanha do Wonderbra é o melhor exemplo do que ela é capaz”. Mas com a ajuda dos computadores e das interfaces gráficas virtuais poderia chegar mais longe... ou por outra, mais perto!
Eva Herzigova — Wonderbra, "Hello Boys", 1994
Em Junho de 95 enamorei-me vagamente desta menina com olhos de gata e outros atributos que me escuso agora de descrever. Não sabia o seu nome, mas usei a sua imagem para dissertar jornalisticamente sobre as estratégias do sublime: ao universo das representações auráticas de inspiração divina sucedeu, pouco a pouco, sobre os escombros do Romantismo, um mundo de transparências fotográficas, de comunicação e de telepresença, cuja aura, se o termo ainda serve, é imediata, superficial, espectacular e transitória, tal como a nossa wondergirl e as suas irresistíveis aparições.
Entretanto, as minhas incursões pelo domínio eléctrico e pelas previsões da realidade virtual agudizaram a sensação de que algo de muito crítico está a ocorrer nas interfaces comunicacionais. Será apenas uma fuga, ou o começo das alternativas à implosão social do famoso mundo moderno ?
O que agora chega até nós como mais um gadget da pós-modernidade será apenas isso, ou a primeira manifestação séria de um projecto mais global de civilização conjecturado, quem sabe, entre as viagens ácidas de Timothy Leary e a insídia neo-religiosa da Meditação Transcendental ?
Quando fomos convidados para participar neste evento sobre as Imagens do Futuro , o tema surgiu quase naturalmente: — e se as notícias começarem a surgir em primeiro lugar no ciberspaço?
Lancei o desafio aos alunos. A resposta está aí...
O mundo online, que a Aula do Risco vai abordar ao longo do Ciberfestival , através do seu webzine, ZERO, é uma extensão gráfica com cada vez maiores propensões para a realidade virtual propriamente dita, do meio social gerado pelas comunicações telefónicas. A interactividade sonora torna-se, na Internet , uma telepresença audiovisual e cibernética onde o humano e a informação interagem no espaço cada vez melhor regulado da computação inteligente. A experiência proposta tem assim dois objectivos desiguais. O primeiro, e mais imediato, procura trazer até ao grande público a evidência de uma revolução sem precedentes, cujos efeitos na incessante partilha dos territórios humanos começa a fazer-se sentir. O segundo, talvez mais difuso e ambicioso nos propósitos, deseja lançar os termos de uma renovação dos cenários linguísticos que presidem às nossas enraizadas convicções sobre o que seja realidade.