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domingo, 19 de julho de 2015

Contemporânea do Chiado

Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado

O que nasce torto...


A inauguração de algumas salas da nova extensão do Museu do Chiado deu origem a uma trapalhada lastimável.
  • O secretário de estado revogou um seu despacho anterior sobre a transferência das obras de arte da chamada Coleção da SEC (na realidade, um cúmulo de aquisições discricionárias e tipicamente burocráticas), depositadas desde 1997 no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, para o acervo do agora chamado Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, em fase de ampliação das suas exíguas instalações.
  • O diretor do museu, David Santos, e a curadora Adelaide Ginga, que está ao serviço da instituição e é co-curadora da exposição em causa, não gostaram que o subtítulo da exposição —“O legado da coleção da Secretaria de Estado da Cultura ao MNAC”— fosse inopinadamente mudado para “Arte Portuguesa na Coleção da Secretaria de Estado da Cultura (1960-1990)”.
  • O copo finalmente transbordou quando a hierarquia de que depende o Museu do Chiado (Secretário de Estado da Cultura e Diretor-geral do Património) exigiu a supressão nos textos da exposição da frase “incorporação da coleção SEC no MNAC”, para assim, segundo Adelaide Ginga, “não criar problemas institucionais com Serralves”.

A versão de Serralves

Num comunicado de três páginas, no qual é relatada a sequência de correspondência entre as duas instituições, Serralves realça que o então diretor do Museu do Chiado David Santos, que se demitiu na passada semana, “concordou integralmente e de forma explícita com as condições” pedidas, ou seja, que as 114 obras da designada “Coleção da SEC” emprestadas por Serralves seriam creditadas como “obras da Coleção da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) em depósito na Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea”.

“O Conselho de Administração de Serralves considerou então que estavam reunidas as condições para o empréstimo das obras e, em 22 de junho de 2015, foi assinada pelos diretores dos dois museus, Suzanne Cotter e David Santos, uma ficha de empréstimo das obras que cumpriu integralmente as condições estabelecidas”, refere o mesmo comunicado.

e ainda...

Num protocolo assinado em 1997, entre a Fundação de Serralves e o Ministério da Cultura, pode ler-se que a intervenção de Serralves, em termos da coleção de arte do Estado - a chamada coleção da Secretaria de Estado da Cultura - se “deverá centrar no período a partir da década de [19]60 e que o Museu do Chiado abarcará a arte portuguesa dos finais do século XIX até à década de 60”, ficando as obras afetas à coleção da Fundação de Serralves depositadas “por um período de 30 anos”, a contar da data daquele protocolo - até 2027 - automaticamente “renovável por períodos de cinco anos”.

Lusa via RTP, 16 Jul, 2015, 07:09 (notícia completa)

As razões de David Santos (1)

Resposta ao Comunicado do Conselho de Administração da Fundação de Serralves sobre a Coleção da Secretaria de Estado da Cultura

Tal como decorre do teor do próprio texto da carta de 18 de Maio de 2015, citada no comunicado do Conselho de Administração da Fundação de Serralves de 15 de Julho, o assentimento que então dei, em conformidade com ordem hierárquica superior, à identificação das obras nos termos da creditação “solicitada” pela Fundação de Serralves, e que aceitei, numa lógica de cooperação institucional e por entender que não esvaziava de sentido a exposição, tal qual tinha sido inicialmente concebida, jamais implicou abdicar, no próprio texto curatorial, da justificação da exposição, com a necessária referência à afectação da colecção SEC ao Museu Nacional de Arte Contemporânea-Museu do Chiado, determinada por despacho do SEC de 5 de Fevereiro de 2014, cuja revogação me foi comunicada no dia 6 do mês em curso e na sequência da qual me foi, então sim, determinado superiormente que eliminasse qualquer referência à dita afectação.

Vila Franca de Xira, 16 de Julho de 2015
David Santos

Comparando as duas versões relatadas dos acontecimentos parece-me evidente que houve uma gestão desastrosa do melindre suscitado pelo despacho de Barreto Xavier, entretanto revogado, que determinava a “incorporação da coleção SEC no MNAC”. A ser verdade o que escreve a administração da Fundação de Serralves, então a frase citada não poderia mesmo ser inscrita na exposição Narrativa de uma Coleção, independentemente do estipulado no despacho de 2014, pois compete ao SEC, e não do diretor do Museu do Chiado, estabelecer o tempo e o modo de execução do referido despacho.

Não há também censura, nem usurpação de autoria, quanto à decisão da tutela.

Sou amigo de David Santos, e sou amigo de Adelaide Ginga, como amigo sou de Jorge Barreto Xavier e de Nuno Vassallo. O critério desta opinião teria, pois, quer de outra natureza.

Alguns antigos responsáveis pela dislexia museológica nacional solidarizaram-se com David Santos e protestaram in situ contra as decisões de Jorge Barreto Xavier e Nuno Vassallo. Se não foi apenas um reflexo condicionado, nem um ato falhado, gostaria de conhecer os seus argumentos (2)

Como tenho opinado, e recentemente escrevi, o Museu do Chiado não deve ser mais um museu de arte contemporânea sem estrutura institucional à altura do título, sem missão clara e justificada, sem meios nem orçamento decentes, sem autonomia, sucessivamente entregue a direções fracas porque dependentes de um estado burocrático capturado pelas clientelas partidárias ou culturais de turno.

O Museu do Chiado deve ter uma e uma única missão: ser o Museu do Chiado, começando por reler o que Pessoa opinou sobre a Contemporânea, e museografar de forma competente e viva o legado riquíssimo de quem o habitou aquele coração da cidade, dando-lhe a forma e a fama cultural que merece.

Como é possível ainda não termos visto no Museu do Chiado uma exposição antológica sobre Rafael Bordalo Pinheiro?

“Perante qualquer obra de qualquer arte — desde a de guardar porcos à de construir sinfonias — pergunto só: quanta força?” (Álvaro de Campos, in Arquivo Pessoa)

Sobre este mesmo tema, neste blogue

NOTAS
  1. Da leitura deste esclarecimento enviado por David Santos ao Público online concluo que havia atrito evidente nas negociações do 'empréstimo' das obras da Coleção SEC, à guarda da Fundação de Serralves, ao Museu Nacional de Arte Contemporânea-Museu do Chiado. Se não fosse este o caso, o Museu de Serralves não poderia emprestar o que não era seu à entidade a quem fora destinada a referida coleção, embora só depois 2027, se... Mais relevante é ainda o facto de as divergências terem sido levantadas pela própria administração de Serralves, instância obviamente acima da que representa a diretora do museu com o mesmo nome, Suzanne Cotter. Logo, o assunto deveria ter transitado (transitou?) para o secretário de estado da cultura, Jorge Barreto Xavier, a quem competiria decidir as ações a empreender. Nem o diretor do Museu do Chiado, nem a co-curadora da exposição, Adelaida Ginga, tinham autoridade para insistir numa frase —“incorporação da coleção SEC no MNAC”—, menos ainda depois do despacho para que remetia a frase ter morrido. O SEC revogou a 6 de julho. O diretor demitiu-se a 8. Mas a exposição só inauguraria a 15, ou seja, tudo poderia ter sido resolvido nos oito dias que se seguiram à revogação do despacho de 2014.
  2. Li, entretanto, o panfleto de Raquel Henriques da Silva publicado em tempo útil pelo Público. O raciocínio do panfleto é tipicamente formal e burocrático, e aposta, como é usual em vésperas eleitorais, numa das hipóteses que concorrem, no caso, António Costa, e portanto numa mudança de titular à frente dos negócios da cultura, e certamente também num novo diretor para o que não deixa de ser um micro museu—segundo RHS, nacional e da arte portuguesa dos séculos 19, 20 e 21!

    Raquel Henriques da Silva sabe muito bem o que é engolir sapos, e conhece melhor que ninguém o resultado pífio da sua prestação museológica no país. O que decidiu ruiu, e o que se mantém, bem (Serralves), ou mal (Museu Berardo), não dependeu de si. A sua visão de típica burocrata centralista nunca lhe permitiu perceber a periferia de Lisboa, quanto mais o resto do país.

    Estender o Museu do Chiado para as antigas instalações ocupadas pelo Governo Civil de Lisboa foi obra do atual secretário de estado, Jorge Barreto Xavier, assim como o despacho que, se executado com prudência, sensibilidade e diplomacia, teria levado paulatinamente o acervo sofrível, conhecido como Coleção SEC, para as futuras reservas do Museu do Chiado, quando as mesmas estivessem prontas. Por isto, aliás, o protocolo com Serralves, de 1997, previu prudentemente um depósito das mencionadas obras, nas reservas no novo Museu de Serralves, até 2027. A abertura da nova extensão do Museu do Chiado e a exposição que hoje lá podemos ver teria antecipado este prazo, precisamente porque fora coroado de êxito o trabalho político paciente e juridicamente informado de Jorge Barreto Xavier. No fim, alguém borrou a pintura, cedendo à provocação (admito) de um administrador de Serralves, mas esta culpa, do que pude apurar, não pode ser assacada ao secretário de estado da cultura. Este engole sapos, tal como Raquel Henriques da Silva, à sua dimensão, terá engolido uma mão cheia deles ao longo da sua carreira. É a vida dos funcionários públicos e dos políticos que chegam e partem. Falar de censura, ou de atentado à autoria, a propósito deste escusado incidente é que não tem o mínimo fundamento.

    David Santos foi colocado perante uma pressão vinda do alto, tal como Barreto Xavier e Nuno Vassallo. Não soube gerir a pressão, e portanto decidiu mal, pois em nome de uma honra e deontologia que não estavam em causa comprometeu a sua própria agenda profissional e o projeto que defendeu para o Museu do Chiado. Os artistas que dele muito esperavam ficaram, uma vez mais, apeados.

    Leio insistentemente que os quadros da dita Coleção SEC andam por ai abandonados nos gabinetes ministeriais, “em gabinetes no Palácio da Ajuda e na Presidência do Conselho de Ministros” (RHS, Público, 14/7/2015), como se fosse uma lepra que ataca a pintura, a fotografia e a escultura. Mas as obras de arte não são feitas para decorar ou comemorar os aposentos de quem as compra—as nossas casas, os átrios e os gabinetes das administrações de empresas e instituições, as praças emblemáticas das cidades de todo o mundo? Não vemos, quase diariamente, uma monumental tapeçaria de Eduardo Batarda decorando as molduras humanas do Tribunal Constitucional? Não vemos pela televisão pinturas do mesmo Batarda, de Jorge Martins e de outros artistas portugueses nas reportagens políticas que nos chegam da sede da Comissão Europeia em Bruxelas? Onde crê a Raquel Henriques da Silva que as obras de arte devem estar? Nas morgues dos museus, onde por definição só os conservadores e os restauradores as observam, em museus que ninguém visita, ou entre os mortais que todos somos?

    Não temos nem poupança, nem competências para alimentar 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 museus de arte moderna e contemporânea com os impostos que pagamos cada vez mais, ou com isenções fiscais que muita falta fazem noutras instâncias sociais. Sobretudo quando é para mostrar os mesmos artistas do cardápio palaciano de sempre, e boa parte destes museus estão invariavelmente às moscas salvo quando há inaugurações. E mesmo nestas...

    Se querem rentabilizar o Museu do Chiado chamem-lhe apenas Museu do Chiado, e convoquem Álvaro de Campos, o Almada Nome de Guerra, o Rafael Bordalo Pinheiro, Leitão de Barros, Mário Barradas, a voz genial de Villaret, Cezariny, O'Neill, Jorge Vieira, Lopes Graça, Joly Braga Santos, Hogan, Luís Pacheco, em suma, os mortos mais vivos do Chiado, e então teremos um museu a sério, pós-contemporâneo, habitado e explosivo.

    Estou farto de escribas e burocratas.
Atualizado: 19/7/2015, 18:00

sábado, 11 de julho de 2015

Museu do Chiado


Uma demissão inesperada, ou talvez não


Director do Museu do Chiado demite-se em ruptura com a tutela
Vanessa Rato. Público, 08/07/2015 - 19:03 (actualizado às 20:45)

A uma semana da inauguração das novas instalações do MNAC-MC, a tutela quer revogar o depósito da Colecção SEC no museu.

“Apesar de discordar da instrução superior, assumi o compromisso de alterar o subtítulo da nossa exposição […] na condição de que o texto de apresentação da exposição pudesse esclarecer tratar-se de uma mostra baseada numa colecção integrada desde Fevereiro de 2014 no MNAC-MC”.

Num texto de 13 de julho de 2014 —Museu de Arte Contemporânea ou do Modernismo?—reiterei as minhas reservas à expansão 'contemporânea' do pequeno museu do modernismo português conhecido como Museu do Chiado, um lugar ermo e despovoado apesar de existir no coração da capital e no hotspot do turismo português. Ao longo da sua existência este museu sem meios andou sempre de Pôncio para Pilatos, sem estatuto, nem definição, nem autonomia claramente definidos pelo estado, que é seu dono e único responsável. No desvario da era socratina e da passagem por lá dum tal Pedro Lapa, assentou-se (quem? quem é que que assentou, porquê, com que autoridade?) que o Museu do Chiado, onde sempre fomos visitar obras de António Carneiro, Amadeo de Souza-Cardoso, Mário Eloy, ou Jorge Vieira, passaria a ser o Museu Nacional de Arte Contemporânea—MNAC, onde desde logo começou a predominar uma programação de contemporaneidade e novas tendências, com sucessivos encargos a jovens artistas portugueses e estrangeiros.

Saltava à vista que o pequeno museu dos Malhoas e Almadas fora tomado de assalto por um condottieri do pequeno e pindérico mundo da arte contemporânea local e do franchising e mercados secundários que o rodeiam. A arte contemporânea, num país pobre como Portugal, com um mercado expositivo exíguo (apesar da engenharia estatística dos públicos fabricados) passava a dispor de uma multiplicidade de espaços públicos a competir pelo mesmo vanguardismo curatorial importado e colado com cuspo: Museu de Serralves, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Culturgest, Museu Berardo, Museu Nacional de Arte Contemporânea, e ainda o futuro Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia da EDP. Salvo o CAM-FCG, todos estes equipamentos são financiados direta ou indiretamente com dinheiro público, afunilando inexplicavelmente o diapasão da frágil cultura museológica que sempre tivemos e continuamos a ter.

Nada disto faz sentido.

O desfecho inesperado da inauguração dos novos espaços do MNAC, que levou à demissão do seu jovem diretor, David Santos, na sequência de um braço de ferro com a tutela, tem, na minha opinião, uma causa sistémica, que é a que acabo de descrever e deriva do desnorte permanente e falta de responsabilidade política e institucional de quem tem (des)cuidado há décadas os museus públicos do país, da arqueologia à arte sacra e ao traje, passando pela música, pela fotografia, pela arquitetura e pela chamada arte contemporânea.

No episódio da demissão de David Santos esteve sobretudo em causa a pressão vinda do Museu de Serralves, e certamente também do novo vereador da cultura de Rui Moreira, Paulo Cunha e Silva, para quem a transferência da coleção de arte da SEC para o MNAC poderia sinalizar simbolicamente um recuo do protagonismo consignado e ganho pela instituição do Porto no campo da promoção qualificada da arte contemporânea, dentro e fora do país. Os cortes orçamentais já operados em Serralves levaram mesmo a instituição a organizar no âmbito do seu décimo quinto aniversário, em setembro de 2014, um jantar comemorativo que serviu também para prestar publicamente contas e angariar fundos. A escassos meses de umas eleições de desfecho incerto, tudo o que este governo não precisava era de comprar uma guerra com o Porto. Será que David Santos pesou bem o melindre político do que estava em causa ao insistir que o catálogo da exposição anunciada mencionasse expressamente que o acervo exposto, e entregue ao cuidado de Serralves por um período de trinta anos, já pertencia de direito, desde fevereiro de 2014, ao MNAC?

Este fiasco é fruto da falta de antecipação política de Jorge Barreto Xavier, o secretário de estado da cultura em funções, é fruto da insensibilidade de última hora do então diretor do MNAC, David Santos, mas no fundo no fundo é também o desfecho antecipado de uma ideia sem sentido: transformar o museu do Chiado em mais um centro de arte contemporânea sem meios, sem autonomia de gestão e cujo défice de público tenderia a eternizar-se. Não basta já vermos como o CAM da FCG tem vindo a morrer de pasmo, salvo in extremis pelo seu excelente buffet?

O Museu do Chiado só será um museu visitado aos milhares se puder e souber ser um verdadeiro museu do modernismo em Portugal, transversal nas disciplinas (literatura, poesia, pintura, arquitetura, cinema, cultura urbana, etc.), com verdadeira autonomia de gestão, imaginativo na direção museológica e na programação, com suporte estatal claro e decente, com apoio camarário adequado, e recorrendo ainda a parcerias e acordos de mecenato com as empresas do Bairro Alto e da Baixa-Chiado. Se o estado não tem competência para o fazer, lance um concurso internacional para gestão privada do mesmo. O interesse público poderia ser bem melhor acautelado do que até agora, e pouparíamos o país a episódios lamentáveis como o que ainda decorre na sequência da demissão do diretor do MNAC em vésperas de uma inauguração. Até o sítio web do museu deixou de funcionar!


POST SCRIPTUM

Já depois desta opinião ter ido para a nuvem surgiu uma Petição Pública sem objeto, dirigida à presidente da Assembleia da República e ao primeiro ministro, na qual nada é pedido, mas sim se repudia o fiasco burocrático que empurrou David Santos para uma escusada e lamentável demissão. Não é uma petição, mas uma carta aberta de protesto, da qual se desconhece o primeiro subscritor: “Manifesto de Repúdio pelo Processo Conducente à Demissão de David Santos – Director do MNAC”. O protesto é compreensível, mas como acima escrevi, as causas do fiasco residem nas sucessivas más decisões sobre o Museu do Chiado. Quanto às responsabilidades por este desenlace precipitado devem ser repartidas por todos os intervenientes no mesmo: secretário de estado da cultura, diretor-geral do património cultural, e diretor do museu. Falar de ato censório a propósito deste fiasco é errado, desviando as atenções do que é essencial, ou seja, a necessidade de definir uma política museológica racional, ajustada à economia do país, e tendo em conta prioridades estratégicas outrora outorgadas, nomeadamente ao Museu de Serralves e ao chamado Museu Berardo.

Atualizado: 12/7/2015 16:59

domingo, 13 de julho de 2014

Museu de Arte Contemporânea ou do Modernismo?

A corja não mudou.

Museu do Chiado 2.0 ou...

por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

O Museu do Chiado, no dia em que comemorou os 20 anos do seu renascimento, na sequência de uma grande obra de requalificação da autoria do arquiteto Jean-Michel Wilmotte, propiciada pelo devastador Incêndio do Chiado, promoveu uma apresentação sumária, impressionista e burocrática de resultados, a cargo dos seus últimos cinco diretores, na sequência da qual houve um breve mas intenso debate, abruptamente interrompido pelo moderador Sardo, que não é da casa, não consultou o dono da casa, nem procedeu, como é curial fazer-se neste tipo de diálogos, a última rodada de inscrições entre a audiência participante. Talvez, no fundo, tudo o que era relevante já tivesse sido efetivamente dito. Ou talvez o que eu disse, ou o que acertadamente disse Paulo Henriques, antigo diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, e o mais esporádico diretor que o Museu do Chiado alguma vez teve, tivesse atingido mortalmente o próprio cerne da conversa:

— que públicos espera ter no futuro o Museu do Chiado quando finalmente a sua área se estender para o edifício ainda ocupado pela Polícia, quando receber de Serralves o acervo público de obras de arte contemporânea acumuladas de modo quase familiar ao longo das últimas décadas pela antiga direção-geral da ação cultural e pelo ido Instituto de Arte Contemporânea das antigas secretaria de estado e ministério da cultura, quando, finalmente, deixarmos de entrar no quase ridículo Museu Nacional de Arte Contemporânea por uma espécie de portinhola de serviço, e for possível aceder ao mesmo por uma Entrada digna desse nome, pela Rua Capelo, em pleno coração do bairro cultural mais emblemático da capital?

Apesar da amizade que nutro por David Santos, atual diretor do Museu do Chiado, sempre discordei da ideia estapafúrdia de matar o que deve ser um museu enciclopédico do modernismo português e daquele, estrangeiro, que foi dando à costa, para dar curso às ambições medíocres e sem visão de um pequeno curador em pose de descobridor tardio de uma contemporaneidade que ou já não pode alcançar, ou que já não existe, ou que está noutro lugar. Refiro-me obviamente a Pedro Lapa, responsável por ter lançado a mais completa confusão sobre a identidade do Museu do Chiado. Depois da sua passagem, o museu nem é modernista, nem contemporâneo, mas antes um misto de Kunsthall de mangas encolhidas sem a menor credibilidade curatorial, sem público, e de museu modernista cortado ao meio, tolhido naquilo que deveria ser a sua ambição primordial: edificar no centro de gravidade da modernidade portuguesa de finais do século 19 e de quase todo o século 20 um ambicioso, informado, culto e atrativo monumento a essa mesma modernidade: Rafael Bordalo Pinheiro, Eça, Ortigão, Pessoa, Almada, Santa-Rita, Barradas, Leitão de Barros, Villaret, Lopes Graça, Hogan, Joly Braga Santos, Cesariny, O'Neill, Nikias e um nunca mais acabar de génios locais cujo conhecimento, reconhecimento, estudo e exposição e reencenação apenas faria bem aos artistas portugueses de hoje e à escola de arte que felizmente ainda está onde está, como seria o atrator que falta ao Chiado e ao Bairro Alto para que o turismo que por ali entope ruas e ruelas não se limite aos pasteis de nata ou aos shots e à nouvelle cuisine indígena. Basta andar pelo Chiado para que as memórias e os vestígios materiais e simbólicos de um tempo de metamorfose, de crise, de ousadia e de mudança cultural ressoem das paredes e das calçadas e se entranhem nos poros de quem não for totalmente destituído de tempo ou de cultura. Matar esta alma do lugar em nome de curadorias circunstanciais, sem contraditório, autoritárias mas sem auctoritas, confundindo o papel de comissários independentes com burocratas empertigados que fazem das suas passagens pelas secretarias, museus e fundações meros trampolins para carreiras sem substância, é tudo o que o Museu do Chiado 2.0 não precisa!


Pedro Zamith, pintura


David Santos herdou uma situação envenenada e agrada-lhe a ideia, errada, de misturar o âmago natural do Museu do Chiado com volúveis comissariados de arte contemporânea realizados no tempo que corre. E aduz que a designação —Museu Nacional de Arte Contemporânea— e o acervo que entretanto irá receber de Serralves colocam ao Museu do Chiado uma responsabilidade irrecusável, tanto mais que hoje, digo eu, nem o Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, nem a trapalhada provinciana de Serralves, nem as instituições parasitárias do Joe Berardo, da EDP ou do BES, inspiram qualquer confiança nos critérios que têm vindo a seguir, ou sequer, na sua continuidade. Ou seja, estou de acordo com David Santos quando afirma que decorre das atribuições do MNAC responsabilidades que mais nenhuma outra instituição portuguesa tem a obrigação ou está em condições de assumir. Até aqui, tudo bem, mas...

Neste momento temos uma série de instituições pomposas de arte contemporânea —CAM, Museu de Serralves, a coleção de Joe Berardo, em Belém e em Castelo Branco, a penhorada Fundação Elipse, BES-Finança e ainda o anunciado museu de arte contemporânea da endividada e rendeira EDP— todas elas competindo entre si, mais de uma evidenciando promiscuidade indecorosa entre interesses privados e ingenuidade ou corrupção pública, todas servindo de porta-giratória a carreiras pessoais sem história, todas sem autonomia, dotadas de orçamentos ridículos, às moscas! Ora bem, perante tanta profusão de arte contemporânea e curadorias supostamente ousadas, que falta faz mais um museu a expor artistas em fraldas e às vezes mal criados, no Chiado? Não seria mais avisado aproveitar a ampliação do museu da Rua Serpa Pinto para, por uma vez, conferir uma marca clara e rigor a uma instituição do estado capaz de fazer a diferença, em vez de andar, como a concorrência, a macaquear sem meios o que se faz (ou fazia...) em Londres, Berlim ou Nova Iorque? Resta ainda dizer a este respeito que há em Lisboa, no Porto e no resto do país um número crescente de galerias de arte, de espaços alternativos e de grupos de artistas e curadores, quase sempre meios nem mecenato que os acuda, que muito gostariam de ver no Estado um facilitador informado e aberto à diversidade criativa, em vez de mais um concorrente, burocrático e ainda por cima arrogante e falido, para o qual milhões de euros vindos dos pagadores de impostos, dos subsídios de Bruxelas ou da dívida pública, são canalizados sem deixar rentabilidade cultural que se veja.

Prevejo que muita da espuma contemporânea especulativa das últimas três décadas desapareça em breve, fruto de um tempo que acaba e de outro, muito diferente, que desponta. Neste sentido, a missão de um Museu Nacional de Arte Contemporânea, na sua ideologia clássica, de arquivo cuidado e estudado de obras de arte que marcaram e marcam a identidade cultural do país, mas também de escola de gosto e lugar de observação e experiência cultural da cidade e do mundo, é imprescindível nesta, como nas décadas futuras

Há seis qualidades que fazem a diferença entre um museu interessante e amado pelo público e um deserto de ideias onde ninguém vai:
  1. o lugar do museu (forte ou fraco)
  2. o edifício do museu (bom ou mau, neutro ou simbólico)
  3. a coleção do museu (rigorosa e coerente ou burocrática e disléxica)
  4. a autonomia do museu (tudo o que continua a não existir entre nós, fruto da inércia burocrática e do populismo eleitoral que temos)
  5. o diretor do museu (bom, mau, inexistente)
  6. a continuidade do museu (um museu que sucessivamente interrompe a sua atividade ou guina de direção como um bússola desnorteada, é um não lugar)
Acredito que o novo diretor do MNAC tem condições e tempo para responder aos desafios acima descritos. O desafio 5 depende exclusivamente dele. Os 1 e 2 são-lhe altamente favoráveis se souber tirar partido do privilégio do lugar expandido que em breve estará à sua disposição. O 3 é um grande desafio para o qual proponho uma hipótese de solução no diagrama que publico mais abaixo. Os desafios 4 e 6 exigem mudanças drásticas e urgentes da parte da administração pública e da gestão política da cultura. Sem autonomia responsável e supervisionada, e sem continuidade, nada funcionará com um mínimo de dignidade.

Voltando ao problema da coleção e do quão contemporâneo pode ser o MNAC, creio que seria necessário considerar o Museu do Chiado como um dos núcleos modernistas do MNAC, a par do Museu Nacional Soares dos Reis, que deveria constituir o segundo núcleo proto-contemporâneo do MNAC. Seguindo esta metodologia de acréscimo de coerência e racionalização de meios e gestão, o lugar da arte contemporânea pós 1946 necessitaria de outros espaços. No Porto esse lugar já existe, chama-se Museu de Serralves e deveria ser um dos futuros núcleos do MNAC. Em Lisboa, o lugar que obviamente espera ser ocupado pelo segundo núcleo de arte contemporânea do MNAC, ao qual seria desejável acrescentar uma Galeria Nacional de Arte Contemporânea, dedicada às tendências mais recentes da contemporaneidade artística em sentido amplo, e não estreito, seria obviamente o Centro Cultural de Belém, edifício pago pelos contribuintes onde está sediada uma fundação suportada em larga medida pelos mesmos contribuintes, a qual inexplicavelmente continua a servir o interesse privado em vez de servir a comunidade. Não deixa de ser caricato que para se entrar no Museu do Chiado seja necessário pagar um bilhete de 4,50€ (ou 5,00€ no MN Soares dos Reis), enquanto a entrada no Museu Berardo é grátis!

Esta visão arquipelágica do MNAC, que deveria incluir ainda um Museu Nacional de Fotografia e do Cinema, é a que, do meu ponto de vista, poderá satisfazer os seis critérios acima descritos e simultaneamente preparar a instituição cultural portuguesa para a austeridade que veio para durar. É possível adaptarmos o sistema invertebrado da museologia pública nacional aos constrangimentos financeiros e fiscais de um estado que tenderá a ser mais pequeno e mais racional. Porém, quanto mais tarde decidirmos, quanto mais complacentes formos para com a pastosa baba burocrática e as situações indecorosas que persistem, mais dolorosas e drásticas terão um dia que ser as inevitáveis emendas do atarracado monstro museológico indígena.

E se alguém pensar que a coisa vai lá mudando apenas de secretário de estado para ministro da cultura, desenganem-se. Tivemos ministros da cultura de sobra e, por outro lado, nenhuma das principais potências culturais do planeta tem ministério da cultura: Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Japão, Áustria, Suíça ou mesmo a Holanda.

Diagrama para uma discussão aberta:

terça-feira, 8 de julho de 2014

Museu do Chiado ocupado numa noite de verão

Ocupação do Museu do Chiado, Lisboa (4-5/6/2014)
Foto Facebook

 

Quem se mete com meninos acorda molhado

Por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

Portugal
PIB per capita (2013) 15.842,2 euros
Remunerações do trabalho per capita (2013): 7.641,6 euros
Salário médio líquido (2013): 984 euros/mês; 13.776 euros/ano
Salário médio anual dos trabalhadores temporários (2013): 6.984 euros/ano
Salário mínimo (2014): 485,0/mês; 6.790 euros/ano
Pensão média da Segurança Social (2012): 4.135,1 euros/ano
Dinheiro gasto pelo museu na produção da obra e exposição de Rui Mourão (incluindo a publicação da sua tese de mestrado com design de luxo): 8.000 euros.

A ação promovida pelo artivista Rui Mourão durante a inauguração da exposição para que foi convidado pelo Museu do Chiado (vídeo), uma entidade 100% pública, dirigida por David Santos, que para esta instituição transitou após concurso, depois de vários anos à frente do Museu do Neorrealismo, em Vila Franca de Xira, é uma típica manifestação daquilo a que poderíamos chamar a política rasca dos meninos e meninas desmioladas e mimadas de uma democracia falida. Não deixa de ser sintomático que a ação realizada nas costas do museu e da comissária da mesma, tenha contado com a presença antecipada dos média no que evidentemente foi uma conspiração e quebra grave de contrato. Os média relatam ou fazem parte da ação?

Comportamento rasca #1: não se morde a mão de quem nos dá de comer, e se para o artivista Rui Mourão oito mil euros por uma única tarefa é poucochinho, deveria ter recusado o convite, pois haveria certamente algumas centenas de artistas desejosos de ocupar o seu lugar. Rui Mourão traíu a confiança de um jovem diretor de museu, sério e que goza de grande apreço entre a geração de artistas que sucedeu àquela que durante mais de vinte anos ocupou todos os poros institucionais da cultura contemporânea indígena, bloquenado enquanto pôde a geração que David Santos tem vindo a defender pela sua ação conhecedora e ponderada. Do ponto de vista legal, e sobretudo da decência, Rui Mourão rompeu unilateralmente um contrato e insultou a instituição que o acolheu. Se eu fosse diretor do Museu do Chiado a sua exposição teria sido imediatamente encerrada. Creio mesmo que o responsável governamental pela instituição —Jorge Barreto Xavier— não terá outra alternativa se não seguir este procedimento, sob pena de abrir caminho à transformação da arte portuguesa em mais um sindicato de artistas funcionários semi-públicos mal criados.

Comportamento rasca #2: o artivista Rui Mourão acha que o estado deve alimentá-lo a ostras e caviar, em nome da cultura, e dos direitos de dois milhões de pobres que têm o direito de ver gratuitamente as suas ocupações de museus porque, diz ele, é um contribuinte líquido. É? E já agora, quem pagará a gratuitidade dos museus se os artistas que supostamente devem criar a riqueza de que os museus se alimentam são os primeiros mandriões que fazem da caça ao orçamento, e não da arte, a sua verdadeira especialidade? Em que se distingue o artivista Rui Mourão do resto da corja rendeira, devorista e partidocrata que condena? Não foi a caça ao tesouro orçamental sobre endividado que nos trouxe até aqui?

Comportamento rasca #3: o artivista Rui Mourão poderia ter lançado a sua diatribe no público CCB, que continua a servir escandalosamente o concubinato cultural sórdido do tempo do 'socialista' José Sócrates (sem incorrer em quebra de contrato ou de confiança), ou no Centro Comercial Colombo que é da mesma Sonae que condena por financiar à sua maneira a sala onde precisamente montou o seu estendal, ou ainda no BES Arte & Finança, por razões óbvias de oportunidade. Poderia, por exemplo, dirigir uma simples carta ao 'socialista' António Costa perguntando-lhe quanto pagou ou tenciona pagar, com o dinheiro que os contribuintes de Lisboa não têm, pela coleção de design e moda do MUDE, adquirida a um único colecionador. Mas não, preferiu atacar uma instituição sem orçamento, indefesa, apunhalando pelas costas a boa fé do seu diretor. Foi mais fácil, não foi? Mas agora temos um problema novo nos museus e centros de arte do país: vai ser necessário redigir um contrato-tipo para todas as exposições que vierem depois deste ato de descarado oportunismo e carreirismo.

Rui Mourão reclama a existência de um ministro da cultura, e até ensaiou a turma ensonada que o acompanhou na sua rasquíssima performance a repetir em coro este choro tipicamente infantil e próprio de meninos e meninas mimadas para quem pensar não costuma ocupar os seus tempos livres. Saberá o artivista traiçoeiro e a turma de sindicalistas culturais que acampou no museu que os países culturalmente mais produtivos e marcantes deste planeta —Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Suíça, Áustria e Japão— não têm ministérios da cultura? Então ocupa-se um museu público para exigir um ministro da cultura? Quem vos encomendou o sermão?!

Por fim, saberão os campistas do Museu do Chiado que os cortes na cultura têm ocorrido na maioria dos países europeus com tanta ou mais virulência que em Portugal? E se sabem, ou se o artivista Rui Mourão sabe, pois até escreveu um livro, não seria razoável pensarmos todos numa discussão mais informada e mais educada sobre o assunto?

Uma leitura a propósito...

We should allow failing arts organizations to die.
A debate that began (for me) nine months ago, finally gets real at #aftacon.
By Devon Smith on Jun 15 - M

Agree or disagree: we should let arts organizations that don’t adapt die.

Arts organizations are already dying. In Detroit, in New York City, in the UK. From operas to art galleries. This is no longer an urban versus rural debate. A nonprofit versus for profit debate. A “one discipline is dying” but “others are inexplicably thriving” debate.

This is a simple acknowledgement that the industry represented by the people and organizations in this room, is in decline. And I think that not only should we allow it, we should encourage it.

Ocupação do Museu do Chiado, Lisboa (4-5/6/2014)
Foto Facebook

A arte sujeita à condição pós-moderna tornou-se um complexo industrial, de serviços e de consumo de massas — o que muda quase tudo!

Nos últimos quarenta anos, ou seja desde a década de 1970, que as sociedades industriais em fase de terciarização acelerada se deparam com um problema social novo: o desemprego estrutural causado, nomeadamente, pela extraordinário aumento da produtividade das tecnologias e métodos de gestão. Este problema agravou-se a partir de meados dos anos oitenta do século passado, com a emergência de grandes países, sobretudo em termos demográficos, como a China, a Índia, a Nigéria e o Brasil, entre outros. Quase tudo, incluindo o design e a arte, começaram a ser produzidos nestas novas geografias a custos incomparavelmente mais baixos. Qual foi então a resposta americana e europeia a este desafio? Basta ler o premonitório livro The End of Work (1995), de Jeremy Rifkin, para o sabermos. Na realidade, os poderes políticos resolveram apostar em duas cartas: educação e formação profissional permanentes e financiamento do consumo. As distorções desta economia artificial acumularam-se paulatinamente até formarem uma bolha especulativa monumental. Desde 2006 que a bolha começou a rebentar. Já vamos em oito anos de colapso económico, financeiro, social e cultural. Porque as causas não são as que a espuma populista dos partidos da nomenclatura fazem crer aos cidadãos para lhes arrancar votos (cada vez menos, aliás), a obrigação dos intelectuais, dos cientistas e dos artistas, pela exigência livremente assumida das suas missões, é olhar para as dificuldades de uma maneira diferente, desinteressada, sem o que a metamorfose em curso será ainda mais dolorosa, e porventura mortal.

Da convocatória publicada no sítio do Museu do Chiado
Inauguração da exposição OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado, sexta-feira, 19h.

O projeto que Rui Mourão expõe no MNAC - MC (comissariado por Emília Tavares), consiste num conjunto de videoinstalação + livro + performance.

Na inauguração será lançado o livro "Ensaio de Artivismo (vídeo e performance)" escrito por Rui Mourão (com apresentação de David Santos e um texto da curadora Emília Tavares).

A performance a realizar na inauguração contará com a colaboração do Colectivo Negativo.

"O título – OS NOSSOS SONHOS NÃO CABEM NAS VOSSAS URNAS – é uma apropriação de um slogan de protesto, repetido em cartazes levantados na Acampada do Rossio em 2011, movimento que direta ou indiretamente marcou o percurso de muitos dos atores e impulsionadores das 10 performances artivistas ocorridas em Lisboa entre 2008 e 2013 reunidas nesta vídeoinstalação, juntamente com outras tantas entrevistas realizadas e gravadas com protagonistas das ações abordadas e que relatam, na primeira pessoa, os respetivos posicionamentos e interpretações. Fruto de um trabalho de investigação de campo, acompanhando e filmando ativistas nas suas ações, esta vídeoinstalação permite esboçar uma etnografia de práticas e agentes de contestação ao nível dos chamados novos e novíssimos movimentos sociais e, simultaneamente, percecionar as analogias existentes entre as estratégias de dissensão no âmbito do protesto político no espaço público e as dissensões formais do campo artístico. São essas estratégias – artivistas – vindas do exterior do sistema institucional, que apostando na criatividade, na emoção, na comunicação e no inesperado, permitem a qualquer pessoa motivada tornar-se num ator político a ocupar a esfera pública."

Rui Mourão, in "Ensaio de Artivismo (vídeo e performance)". Lisboa: MNAC-Museu do Chiado, 2014 (no prelo).

"Rui Mourão reafirma uma postura artística que é ela também de resistência ao senso comum e da aptidão da arte contemporânea para ser um processo de compromisso social. Sobre o resultado desse processo ainda muito haverá a avaliar, mas para já, as dissensões que este trabalho expõe deixam como possibilidade a resiliência aos ditames que o sistema das artes espera dos artistas, “que operem críticas construtivas do sistema mas não ameacem as instituições públicas, as classes hierárquicas e outros legados do liberalismo burguês; que intervenham na cultura mas não pareçam agressivos ou seriamente preparados para lutar pela igualdade política.”(Lipovetsky, Gilles, Serroy, Jean, L’Esthétisation du Monde: vivre à l’âge du capitalisme artiste. Paris: Gallimard, 2013, p. 435)"

Emília Tavares, in "Ensaio de Artivismo (vídeo e performance)". Lisboa: MNAC-Museu do Chiado, 2014 (no prelo).

A exposição estará patente até dia 28 de setembro, 2014. Terça a domingo, 10 - 18h.

Ver link do museu

Ocupação do Museu do Chiado, Lisboa (4-5/6/2014)
Foto Facebook

Post scriptum

A quebra de confiança protagonizada pelo artivista Rui Mourão, além de favorecer objetivamente aqueles que arruinaram o país e asfixiaram a disseminação da cultura portuguesa no mundo (tal a insistência em tentar demonstrar que apenas tínhamos dois artistas medíocres e oportunistas: Sarmento e Cabrita Reis), é o exemplo de uma ação inqualificável de promoção pessoal, sobretudo para consumo externo, numa tentativa desesperada de furar o bloqueio referido. Confundir exibicionismo e oportunismo mediático a qualquer preço com arte é um caminho hoje muito trilhado, típico de uma cultura propagandística que corre atrás da notícia e mais recentemente dos LIKES. No entanto, à medida que o tempo dos média se torna circular, e uma nova instância do eterno retorno regressa, a decantação recomeça: GARBAGE IN/ GARBAGE OUT.


Atualização: 10/7/2014, 16:04 WET

domingo, 6 de julho de 2014

Nota sobre Pires Vieira

Pires Vieira
Sem título, 1975
madeira, pedra, corda, 300 x 300 cm
Col. Fundação de Serralves — Museu de Arte Contemporânea,  Porto

Uma cicatriz na abstração portuguesa

Por ANTÓNIO CERVEIRA PINTO

Cronologia: Jackson Pollock (1942, 1943); Gutaï (1956); Giulio Paolini (1960), arte minimal (Richard Wollheim, 1965); Arte Povera (Germano Celant, 1967), Supports/Surfaces (1966, 1969 - 1972), Pires Vieira (1969)

A minha divagação de ontem na Fundação Carmona e Costa sobre a obra, em contexto, de Victor Pires Vieira, pareceu talvez passar ao lado das peças expostas na fundação e no Museu do Chiado, na medida em que me escudei nos textos de Adelaide Ginga para não me pronunciar diretamente sobre qualquer das peças salvo a 'escultura' no chão, com sulipas, granito e corda, sem título, de 1975 — um dos mais fortes vínculos na obra de Pires Vieira à tendência 'estruturalista' da vanguarda artística francesa pós-Maio de 68.

Na realidade, o que fiz foi situar a biografia e génese convulsiva das 'estruturas', ou elementos da representação e posição da arte, numa dificuldade lusitana e europeia mais geral, que descrevi como um isolamento ideológico e cultural da tendência para a abstração na arte moderna nos países europeus em geral, e nos da Contra-Reforma, nomeadamente Portugal e Espanha, em particular. Paris, depois de ter dado origem à arte moderna republicana, quedou-se num sincretismo próprio do entroncamento cultural que foi durante todo o século 19 e quase metade do século 20. O caso do Brasil, que deve ser visto com minúcia, liberta-se de alguns dos constrangimentos europeus e católicos pela especificidade frequentemente animista da reinterpretação do paganismo católico português que o sincretismo religioso brasileiro permitiu durante séculos de colonialismo, confluência étnica e babélia —o famoso 'concretismo'. Mas o Portugal moderno e contemporâneo, entalado entre o realismo das aldeias e dos subúrbios urbanos, dos presépios polícromos, dos paramentos e andores das igrejas apostólicas romanas, da tralha decorativa importada pelos palácios a que uma tradição barroca sem estrutura, nem forma, mas sempre superficial, obediente e tosca deu legitimidade e academia, a que se viria somar, em perfeita continuidade cultural, o realismo ideológico autoritário do fascismo e do estalinismo, deixou apenas uma nesga de oportunidade à 'abstração' libertadora da arte moderna e contemporânea que verdadeiramente foi transformando a arte numa praxis autónoma — sem censura, nem dono.

Neste sentido, a 'arte abstrata' portuguesa, sempre acossada pelos dogmas, da Santíssima Trindade, ou da degenerescência leninista-estalinista, submersa pela importância enfatuada e imposta do nosso neo-realismo e do nosso surrealismo, pindéricos, mas autoritários, viu-se quase sempre compungida a explicar-se no campo retórico que não era seu e que deveria, aliás, começar por rejeitar. As cicatrizes desta prisão cultural aparecem na obra de Pires Vieira, como são claramente visíveis em todos os outros abstratos portugueses: Vieira da Silva, Nadir, Lanhas, Ângelo, Batarda, Casimiro, João Vieira, Jorge Martins, Menez, Vítor Pomar, Calhau, Palolo, José Carvalho, José Conduto, Croft ou Casqueiro. De certo modo, o que ontem disse a propósito da obra de Pires Vieira, foi um preâmbulo à análise desta cicatriz.